domingo, 16 de janeiro de 2011

Era uma mulher feita de retalhos, e entre uma emenda e outra, não se preocupava em fazer sentido.
Exala uma nota de perfume doce misturada a cheiro de fêmea. É suscetível às mudanças de luas e marés. Chora no escuro e no banho, onde as lágrimas escorrem silenciosas. Fere os que ama e ignora os poucos inimigos. Celebra as mudanças de estações, escreve cartas e não envia todas. Morre de amor para ressuscitar após o terceiro dia.
Comete crimes passionais e delicadezas extremas. Sonha e depois esquece. Sua maior virtude é saber rir de si mesma. É dona de um cinismo destrutivo, defesas implacáveis, um senso de humor cruel e uma autocrítica fatal. Teme, mais que tudo, a mediocridade. Presta certos cultos à beleza, por pura vaidade.
Esconde-se atrás de certos eufemismos. Pretende-se mais má do que sua verdadeira crueldade. Bebe demais. Fala demais. Orgulha-se de sua inteligência até o ponto em que começa a farejar a arrogância. Mas se permite desprezar alguns pela simples incapacidade de verter afeto por tanta gente. Abandonou em algum passado a culpa, e abraçou a responsabilidade. Fez da liberdade a conjugação mais diária e difícil, impregnada nas escolhas mais secretas.
Finge não precisar de cuidados, e existir selvagem como capim que cresce a esmo. Cultiva uma solidão lúcida e plenamente dispensável. Deseja cumplicidades e intimidades venais, intensas, doloridas e sublimes. Brinca de escrever. Procura as sutilezas das relações humanas. Tem insônias, faz de tudo para não mentir para si mesma. Despreza o espelho a cada vez que se sente hipócrita.
Possui um inventário de erros. E várias possibilidades de outros novos que a vida oferece para cometer. Cansa-se de ser forte à medida que existir lhe exige. Tem dias em que é pouca. Desespera diante do acomodamento da rotina, e procura rotas de fuga espiando o horizonte.
Retém traços das pessoas que ama. Das lições aprendidas, das felicidades compartilhadas, das mágoas superadas. Apoderou-se de algumas de suas artes e mistérios. Descartou as que não serviam ao seu temperamento e mantém dentro de si detalhes que o tempo lhe diz se devem ser abandonados, ou revelará suas serventias. Não é vítima, nem algoz. Poucos conseguem perdoá-la antes de si mesma.
Uma mulher feita de fragmentos de vida, versos, trechos marcados de romances, cores, canções, sorrisos e silêncio. Da consciência de sua pequenez diante da imensidão. De uma vastidão de possibilidades num amanhecer.
Traga, decanta, filtra e destila vertigens, êxtases, desesperos, incomunicabilidades sob tecidos variados. Uma mulher de retalhos. Que certas noites se pergunta que menina quer ser 

Nenhum comentário:

Postar um comentário